A louca vida sexual das plantas

No jogo da sedução vegetal, vale tudo: se maquiar para parecer mais bela, enganar parceiros, borrifar hormônios sexuais. É o sexo das flores. Você nunca mais vai olhar para um jardim da mesma forma.

Mal entrou na puberdade, ela só pensa naquilo. Uns argumentam que ainda é jovem, um botão em flor, mas isso nunca foi um grande problema para ela, que vem se preparando para desabrochar desde que era um brotinho. Apesar de ter criado raízes junto aos pais, sente que é hora de formar sua própria família e gerar seus rebentos. Para conceber as sementes dessa transformação silenciosa, a moça se insinua aos 4 ventos, ludibria os varões e cria sugestivas armadilhas. Se preciso, ela se vestirá de forma sensual e se cobrirá com perfumes, tudo para deixar sua herança na terra e, com sorte, gerar bons frutos para as próximas gerações.

Sob a ótica de uma flor, um jardim é uma grande orgia. Cactos e ipês fazem. Trepadeiras, claro, fazem. A mais prosaica violeta e a rosa caríssima fazem. De fato, assim que provaram o gostinho da coisa pela primeira vez, cerca de 145 milhões de anos atrás, 415 milhões depois de a primeira alga chegar à terra firme, as plantas logo perceberam que o sexo poderia trazer benefícios sobre suas irmãs virginais. E, desde então, se toraram verdadeiras profissionais da reprodução.

AS RECATADAS

À primeira vista, pode parecer desnecessário que uma flor saia atirando para todos os lados. Isso porque a maioria das plantas é hermafrodita: um mesmo indivíduo tem tanto um ovário, sua porção feminina, quanto grãos de pólen, pequenas estruturas que encerram os gametas masculinos. A reprodução sexuada, que leva o pólen até o ovário, não deveria, portanto, demandar tanta energia sexual. No entanto, uma flor só se entregará ao solitário prazer da autofecundação se estiver muito necessitada (em situações extremas de sobrevivência).

Um vegetal que se fecunda cria descendentes geneticamente idênticos à mãe, e perde assim a variedade que o ajudará a viver num mundo competitivo e hostil. Quanto mais variedade genética dentro de uma mesma espécie mais chance de sobreviver. Portanto, como não podem sair do lugar para um troca-troca, as flores recorrem as aves, insetos e pequenos mamíferos – seus polinizadores – para misturar seu material genético ao de outras. Essa sacada garantiu às plantas floríferas uma diversidade enorme, se comparadas aos vegetais sem flor, como musgos, pinheiros e samambaias.

Ainda assim, isso não quer dizer que uma flor jamais vai se autofecundar. Há casos em que isso se torna necessário. Em condições normais, a violeta-africana produz flores no alto de hastes longas, boas para atrair a atenção de insetos e fazer a reprodução sexuada. Mas, se notar que as condições para florescer estão prejudicadas – o clima ficou frio ou quente demais, por exemplo – a mesma violeta pode gerar flores de haste curta, que ficam escondidas pelas folhas e se autofecundam ainda em botão. Nesse caso, o alerta que vai determinar qual tipo de sexo elas vão praticar é dado por estruturas celulares especializadas, que registram alterações na intensidade da luz solar ou na quantidade de horas de escuro. “Uma planta é capaz de perceber mudanças mínimas na oferta de nutrientes ou mesmo detectar que os dias estão ficando mais curtos e, portanto, o inverno está chegando”, diz o biólogo Thales Kronemberger, especialista em biologia molecular e parasitologia.

AS ATIRADAS

As orquídeas são as maiores peritas em dissimulação em busca de favores sexuais. Elas são, na verdade, as flores mais atiradas. São entre 24 mil e 35 mil espécies espalhadas por todas as partes do mundo e, para atrair o polinizador certo, algumas são capazes de se tornar irresistíveis, perfumadas e saborosas. O Cymbidium serratum, uma orquídea nativa da China, tem cor e sabor absolutamente inexpressivos – a menos que você seja um camundongo da espécie Rattus fulvescens, que a acha deliciosa e se alimenta das pétalas da flor. Em troca, ele arrasta seus grãos de pólen de um lado para o outro. O que parece um ato kamikaze de amor é, na verdade, uma sofisticada estratégia de reprodução, que garante à flor trocar material genético com uma planta situada a quilômetros de distância.

Para a alegria de botânicos e jardineiros, há estratégias sexuais muito menos sacrificantes para a planta – ainda que frustrem o polinizador na maior parte das vezes. O gênero Bulbophyllum, por exemplo, oferece às moscas-varejeiras um banquete delicioso em troca de favores sexuais. Pelo menos à primeira vista. Suas flores têm aspecto bizarro e cheiram a carniça, iludindo as moscas de que encontrarão ali matéria orgânica em decomposição, onde possam depositar seus ovos. Atraídos pelo cheiro, os insetos pousam na flor só para notar que sofreram um embuste – não há comida alguma por lá. Enquanto passeiam pelas pétalas da orquídea, eles acabam esbarrando nos grãos de pólen, que se aderem às suas patas – e estão prontos para ganhar os céus em busca de outro Bulbophyllum.

As orquídeas do gênero Coryanthes vão ainda mais longe. Uma de suas pétalas foi modificada para ficar lisa e côncava como um copo de vidro e fazer as abelhas que pousam nela escorregar. Além disso, a flor tem glândulas que secretam água e óleos para dentro do copo, formando uma piscina na qual os insetos acabam caindo. Com as asas encharcadas e sem poder escalar a flor internamente, as abelhas são obrigadas a fugir da morte pela única parte seca e acessível da planta – exatamente o canal que leva aos grãos de pólen.

Algumas plantas são monogâmicas: evoluíram para atrair apenas um ou dois polinizadores específicos. A orquídea-mariposa, por exemplo, produz um estreito tubinho com néctar ao fundo, só alcançado pela língua de algumas espécies de mariposas. Outras flores se fazem de difícil, têm um alvo muito bem determinado – mesmo um inseto de comportamento semelhante ao do polinizador ideal não poderia se passar por tal. É o caso de uma orquídea australiana que atrai apenas um tipo específico de vespa – primeiro porque ela se parece com a fêmea da vespa e segundo porque ela libera o exato feromônio de reprodução do inseto.

A DESESPERADA

Mas a maior estratégia sexual do mundo das flores não é a de uma orquídea: é a da Amorphophallus titanum – a planta-cadáver. Nenhuma planta é tão desesperada como ela. Oriunda da ilha de Sumatra, ela coleciona superlativos: tem a maior flor do mundo, com 3m de altura por 1,20m de diâmetro, tem um tubérculo subterrâneo da grossura da perna de um humano adulto, pesando mais de 77kg, e consegue emitir quase tanto calor quanto um homem. Seu feito mais peculiar, no entanto, está em suas estratégias da reprodução. Depois de 5 anos na seca, sem se reproduzir, a planta-cadáver produz uma gigantesca e solitária flor, que emana o agradável cheio de peixe podre misturado com corpos em decomposição – daí o apelido. O cheio é aquecido por uma estrutura especializada, o espádice, e atinge um raio de 800m de distância. Tamanho fedor atrai hordas de moscas, besouros, baratas e abelhas que penetram pelas dobras da planta, ainda fechada, e ficam zanzando no meio de suas estruturas reprodutoras. À noite, a inflorescência se abre, mas dura apenas dois dias (para alívio dos povos indonésios), revelando em sua curta vida uma das maiores sacadas reprodutivas dos vegetais: ela amadurece em tempos diferentes as duas partes de seu aparelho reprodutivo. Nas primeiras 24 horas, apenas a porção feminina da planta está ativa, recebendo dos insetos o pólen trazido de outra planta-cadáver. A porção masculina só é ativada no segundo dia, quando os insetos começam a debandar, carregando consigo os gametas masculinos que serão levados para outro espécime. O gasto de energia é tão grande que a Amorphophallus titanum precisa de outros 3 anos na seca para armazenar energia suficiente para florir mais uma vez.

PRA QUE TANTO ESTRESSE?

Todas essas estratégias de polinização levantam uma dúvida. Não seria muito mais fácil a planta simplesmente liberar seus grãos de pólen no ambiente? Deixá-los livres para o vento, água ou qualquer animal fazer a polinização? A resposta é não. “Se a planta deixar seu pólen em um lugar de fácil acesso, qualquer coisa que esbarre nela levaria embora a única chance que a flor tem de se reproduzir”, diz a botânica da USP Ludmila Pansarin. Para que apenas o polinizador certo encontre os grãos do pólen protegidos pelas pétalas é que a planta cria tantas modificações de cor, cheio, forma e textura. “Isso garante que somente um animal com tamanho e comportamento adequados será capaz de leva-los até outra flor”, diz Ludmilla. Se o polinizador for uma mariposa ou morcego, por exemplo, a melhor estratégia é florir à noite e oferecer um cheiro doce e persistente. E eis aqui a informação mais corta-clima desta reportagem: flores vermelhas são dessa cor exclusivamente para atrair pássaros e borboletas, que enxergam melhor esses tons de cores, enquanto as azuis e amarelas focam as abelhas, que vêm apenas espectros ultravioletas. Nenhuma flor foi feita para a nossa apreciação. A natureza já foi mais romântica.

COSTA, Carol. A louca vida sexual das plantas. Super Interessante, São Paulo, p.62-67, Mar.2012.

 

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